Éramos, no 6.º ano, cerca de 16 raparigas. Entre os namoricos e as modas, as conversas apenas direccionavam para um sentido: "o que cada uma queria fazer quando terminássemos o 6.º ano".
Numa aldeia tão pequena como a nossa, onde quase todos somos aparentados, as aspirações terminavam com o casamento, com filhos, com casa e pouco mais. Parecia que a interioridade da aldeia, moldava a capacidade de aspirar algo mais, de ambicionar qualquer coisa que não fosse um marido.
Apesar de entrar na conversa, poucas ideias conseguia dar.
Sim, pensava um dia namorar. Sim, pensava um dia casar. Sim, pensava um dia ter filhos. Mas não nesta altura.
E a conversa era sempre muito animada, com valentes gargalhadas, quando começavam a falar nos vestidos de noiva, na noite de núpcias, tema geralmente proibido no seio familiar.
E claro, tão certo como cada futuro que cada um cozinhava e alinhavava para si, quase todas seguiram o mesmo caminho.
Entre os dias que lhes parecem todos iguais, entre a pequenez do seu grande mundo, ali andam elas na sua labuta. Paramos às vezes nas ruas para sabermos como vamos, como vão os filhos. Filhos estes já com 15 ou 16 anos...
Às vezes, surpreendem-me com o entusiasmo com que cada uma fala, com o orgulho que dizem que terminaram um curso, depois vão para o desemprego uns tempos até haver para aí outro curso qualquer. Fazem umas temporadas na apanha dos morangos, da uva e da azeitona. As mãos calejadas do rigor do tempo, ajeitam os cabelos já a mostrar alguns brancos.
E uma vez por outra, lá me junto a elas no café. A conversa poderá variar entre telemóveis, entre plasmas ou LCD's, entre arrendamento de um apartamento em Monte Gordo ou de uma casa para poderem assar sardinhas, entre a roupa que compraram na única loja que a aldeia tem e que as faz andar todas de igual ou o assunto das novelas que a tvi ou a sic transmitem. Isto entre a disposição do cigarro nos dedos, que mostra a quem entra, sinal de independência, de maturidade, de mulher adulta.
Entre o meu silêncio, o beber do café, lá dou um sorriso e aceno a cabeça e tento compreender aquela linguagem. Uma linguagem que compreendia da minha avó e das pessoas da idade dela. E às vezes quando me pedem opinião, lá lhes digo que têm muito mais prática que eu e que as fico a ouvir.
E muitas vezes, quando tento falar um pouco a minha linguagem, fazem silêncio. E consigo perceber pelas suas caras que não se silenciam por me estarem a compreender, apenas porque naquelas cabeças lhes passa tantas coisas, como "que raio tenho eu com isso?"... e prefiro, então, mudar de assunto.
Mas são estas mulheres de hoje, as meninas de ontem, que apesar da sua linguagem simples, me dizem tanto. As mulheres de hoje que entram para as estatísticas de desempregadas a meio tempo, ora estão meio tempo em cursos, ora estão meio tempo desempregadas. São estas mulheres que conseguem dissecar melhor um telemóvel que qualquer técnico de uma loja de vendas. São estas mulheres que enchem os cafés, de cigarro na mão, há espera de coisa nenhuma, com um presente remediado e um futuro que se há-de arranjar.